quinta-feira, 30 de abril de 2015

Quando quiseram remeter a Beata Alexandrina ao silêncio (4)


Tu cá tu lá com uma das três

Nova transcrição de Sob o Céu de Balasar:

“Aquela que fora instrumento da dolorosa intriga manobrada pelas duas mais astutas e malignas adversárias da Serva de Deus, dois anos mais tarde entrou em si e pediu um encontro com a doente.
Alexandrina, sem a nomear, fala disso no seu diário (14 de Março de 1945):


Na segunda-feira, ainda antes de receber o meu Jesus, chegou a Deolinda junto de mim e disse-me que na igreja lhe tinha pedido para visitar-me a pequena que tinha vivido connosco. Eu ansiava esta reconciliação, não pelo grito de a minha consciência me acusar culpada, mas porque entendia que entre pessoas piedosas não devia existir nada disto, pois seria motivo de mau exemplo e de desgostar a Jesus.
Até esta ocasião, quando pensava se um dia viria a ver à minha frente quem tanto me tinha feito sofrer, embora irreflectidamente, sem o pensar, parecia-me que seria o mesmo que me darem uma punhalada no coração e me tirarem a vida. Tinha os desejos que isto acontecesse, mas tinha medo de não resistir.
No momento em que minha irmã me disse isto, Jesus transformou-me a minha alma. Deixei de sentir o golpe que me parecia ser dado com a presença dessa pessoa. Fiquei indiferente a tudo, como se de nada me interessasse.
Ao receber o meu Jesus, entreguei-Lhe o caso, para Ele resolver conforme a Sua divina vontade. Passei o dia em sobressalto, receosa sempre de não fazer a vontade de Nosso Senhor. E os sofrimentos foram aumentando.
Hoje, veio-me a notícia, pouco depois de comungar, que, talvez ainda de manhã, tivesse de receber essa visita. Voltei-me para o Sagrado Coração de Jesus e disse-Lhe:
- Meu Jesus, fazei que a receba com a bondade e amor do Vosso Divino Coração. Dai-me a Vossa humildade, fazei que eu esqueça a dor que me causou, como quero que esqueçais a dor e a ingratidão que para Vós tenho tido. Ó Mãezinha, pela Vossa agonia junto à cruz, pelas Vossa dores, fazei que eu proceda de modo a dar toda a consolação a Jesus e o maior proveito para as almas.
Recebi-a com sorriso, com a maior mansidão possível. Tive de vencer-me, fazer muita violência sobre mim mesma. O coração sufocado, por vezes não podia falar nem respirar. Fiz-lhe compreender o seu mau procedimento e, quando me pediu desculpa e perdão, disse-lhe:
- Se Nosso Senhor não te castigar sem eu Lhe pedir, por eu Lhe pedir também, não te castiga. Eu quero esquecer tudo, como quero que Ele esqueça a minha ingratidão e a do mundo inteiro.
O meu coração encheu-se de compaixão por ela e de toda a alma lhe perdoei, via nela Nosso Senhor.

Aquela jovem (a Felismina) fora recebida em casa da Serva de Deus quando, ainda pequena, os seus pais tinham caído na mais escura miséria. Com ela fora recebida também a sua irmãzinha mais nova, para quem Alexandrina, depois, veio a angariar o enxoval, a fim de poder entrar numa congregação religiosa.
‘Quem diz que ama a Deus e não ama o seu próximo é mentiroso’, ensina S. João Evangelista”.

Repare-se a Beata Alexandrina avaliou de modo dramático as ofensas recebidas. Só podiam ter sido muito graves.

quarta-feira, 29 de abril de 2015

Quando quiseram remeter a Beata Alexandrina ao silêncio (3)

Esclarecimento da Felismina

Pensamos que este esclarecimento é parte da deposição da Felismina no Processo Informativo Diocesano. É um documento elucidativo, que o Pe. Humberto transcreveu no Cristo Gesù in Alexandrina.

Morei na casa da Alexandrina doze anos, tratada como irmã e pessoa de família. Foi nos anos da maior pobreza, em que sofremos muito e precisamente no período em que foi atormentada pelo demónio que a deitava abaixo da cama e era preciso segurá-la para que não se ferisse. Mantive segredo de tudo, mesmo se alguém da freguesia às vezes me perguntava se era verdade que se levantava da cama. Também assisti ao fenómeno da paixão muitas vezes.
Eu tinha um temperamento mau e a Alexandrina fazia-me reparos. Como é natural, não gostava, mas estimava-a muito
Foi-me difícil suportar o temperamento da mãe, mesmo se a Alexandrina intervinha com conselhos, que eu não queria aceitar. Falei disso ao Pe. Pinho, queixando-me e ele disse-me: - Muitas vezes o Senhor esconde as virtudes duma pessoa por baixo de pequenos defeitos.
Quando sucederam as coisas desagradáveis duma das primas e vi que a Alexandrina a recebia como se nada se tivesse passado e lhe dava toda a confiança, não consegui conter-me.
Comecei a frequentar a casa de Maria Machado e a confidenciar com ela; e também com a Teresa Matias. Tendo de sair às vezes em trabalho, ficava fora mais do que o preciso. A Alexandrina começou a perguntar-me o motivo das demoras, aconselhando-me a não me comportar assim para não desgostar a mãe.
Por tudo isto resolvi tornar-me independente. Fui encorajada pela Machado, que me ajudou a encontrar casa. E um dia, mesmo que com saudade, saí de lá para sempre. Isto foi em 1944.
Naturalmente fiquei abalada quando tive a impressão de ter perdido a confiança de toda a família e dos amigos que visitavam a doente. Magoada, tomei a decisão de escreve uma carta ao Cón. Molho de Faria, meu confessor, a título de desabafo. Teresa Martins incitou-me a fazê-lo e assim, mais prática do que eu, ofereceu-se para me ajudar a escrever. Já passaram tantos anos que já não recordo bem o que escrevi. Recordo contudo que pus duas frases contra a Alexandrina.
Deus não permita que seja um obstáculo para a causa dela, tanto mais que ela foi sempre muito boa para mim e me quis sempre bem. Ajudou-me a comprar a casa e ajudou os meus pais; no fim da sua vida pagou-me parte das despesas para um curso de exercícios em Fátima.

Notei que depois de sair de lá não me autorizava aos êxtases de sexta-feira, mas limitava-se a dizer-me para pedir autorização a um sacerdote, o que eu fiz.

domingo, 26 de abril de 2015

Quando quiseram remeter a Beata Alexandrina ao silêncio (2)

Felismina Martins

Das três balasarenses que o Pe. Humberto culpou de serem as difamadoras que influenciaram o Pe. Molho de Faria só conhecemos a Felismina Martins, com quem falámos longamente e por várias vezes.
Em 1944, tinha 30 anos e era costureira. Quisera fazer-se doroteia, mas recusaram-na, alegando que não tinha boa saúde (ela que faleceu com 101 anos). Solteira, a vida não lhe sorriria muito.
Certamente já depois de 1944, foi muito beneficiada pela Alexandrina, por quem nutria uma estima sincera, feita também de gratidão.
O mesmo não acontecia com os familiares dela, os Vicentes (D. Maria Ana incluída), mas dizia que na lixeira pode desenvolver-se uma flor.
Testemunhou no Processo Informativo Diocesano.
Nas conversas que tivemos com a Felismina, deixou-nos sempre boa impressão, excepto na última. Então, só faltou pôr-nos pela porta fora. Não soubemos a razão por que o fez, mas palpita-nos que foi por ter percebido que a ouvíamos atentamente, mas sem que isso impedisse uma atitude crítica da nossa parte. Então em vez de pedir um esclarecimento, passou para o ataque mais despropositado. Revelaria isso um traço do seu carácter?
Tinha uma memória apurada como poucos, mas, nos muitos assuntos sobre que falou, nunca trouxe à conversa o Pe. Molho de Faria ou a maldade que praticou em 1944. Concluo que falava do que lhe convinha, evitando o que a comprometesse.

sábado, 25 de abril de 2015

Onze anos após a Beatificação

Por altura da Beatificação, gerou-se um interesse enorme à volta da figura da Beata Alexandrina. Foram tempos de muitos livros, de muita divulgação na Internet, tempos de paixão.
A situação de hoje, onze anos passados, está muito longe do que então se viveu. Em parte, até se compreende, mas nem tudo. Salvo o novo Sítio Oficial e as páginas do Facebook, pouco mais tem aparecido. Em termos de publicação de livros, depois que a D. Eugénia Signorile deixou de escrever, que é que se vê?
Nem esses se traduzem e publicam…
O tema exige muita dedicação e saber e é preciso acarinhar aqueles que o poderiam abordar, para que se possam cumprir as promessas que Jesus fez.

sexta-feira, 24 de abril de 2015

Quando quiseram remeter a Beata Alexandrina ao silêncio (1)


O recente falecimento da Felismina Martins convida a uma oportuna reflexão sobre o que se passou em 1944, quando quiseram silenciar a Beata Alexandrina. Ouçamos um extracto de Sob o Céu de Balasar:

Três inimigas da aldeia

Também na povoação houve três mulheres que a acusaram a um sacerdote da cúria: - "que a Serva de Deus ‘se armava’ em santa por causa do lucro". A acusação foi aceite e feita própria pela comissão dos Padres, encarregados pelo Arcebispo de examinar o caso de Balasar.
Num relatório elaborado pelo Pe. Mariano Pinho em 1945, lê-se: “Outra acusação para a denegrir é que a Alexandrina excogitou um modo de vida muito rendoso e que, com o muito dinheiro acumulado, já comprou vários terrenos. Trata-se de autênticas insinuações calu­niosas”.
O Padre Humberto, no seu trabalho para a instrução do processo de beatificação e canonização, teve que esclarecer as coisas. Descobriu que o pretexto das três mulheres se fundava na doação de uma horta e de um pequeno campo por parte de duas pessoas amigas a fim de evitar que a mãe e o tio tivessem de trabalhar debaixo de um patrão, longe de casa e da doente, necessitada de constante assistência.
Alexandrina comenta: “Se pelo menos eu sofresse sozinha! Mas custa-me tanto que sofram aqueles que me são caros e a quem tanto devo!”
Outra acusação das três mulheres de Balasar foi que a Serva de Deus "era uma bruxa, uma histérica, uma autêntica intrujona". Também esta acusação foi recebida sem exame da parte dos teólogos de Braga, aos quais se associou ainda um ou outro artigo da imprensa católica.
Extraímos do diário de Alexandrina: “Ó dor que matas a dor! Ó dor que só pode ser compreendida de ti, ó Jesus! Com os olhos em ti, as calúnias, as humi­lhações, os desprezos, os ódios, o esquecimento, têm toda a doçura do teu amor. Venha tudo aquilo que te agradar. Morra o meu nome, como sinto que morreram o corpo e a alma, contanto que viva o teu divino amor nos corações, a tua graça nas almas. Eis porque é que eu me deixo imolar... Jesus, vem! Socorro! Socorro!
Querem privar-me de tudo, ameaçam deixar-me sem Comunhão, proibindo o pároco de vir a minha casa a não ser em perigo de morte... Puseram-me em público sem o meu consentimento; não sabia de nada! E agora querem, à custa da minha dor, recolher as penas que o vento furioso dispersou!" (1-8-1944).
O doutor Azevedo avisou prontamente o Pe. Humberto que havia apenas um mês visitava a Alexandrina: “Se eu não estivesse certo, certíssimo da perseverança da doente, teria passado dias na maior amargura com o receio de que ela perdesse a coragem. Este último sofrimento foi muito agudo. O pároco, então, deu-lhe a notícia de maneira tal, que se a Alexandrina não fosse aquela que nós sabemos, teria caído no desânimo, ao menos por algumas horas. Mas pelo contrário, heróica como é, vence sempre apoiada em Deus”.
Foi nesta conjuntura que o Pe. Humberto se sentiu na obrigação de tomar a defesa da Alexandrina. Enviou ao Arcebispo um longo relatório, pondo a descoberto a inconsistência das acusações feitas sem interrogar quem podia dar provas de tudo quanto sucedia na casa dos Costas. Tomou forte posição contra a grave injustiça, que teve ressonância nacional por ser propalada nos púlpitos e até em vários jornais.
O Pe. David Novais recorda aquele período amargo: “Alexandrina aceitou as disposições com resignação ilimi­tada. Nunca ouvi dos seus lábios uma queixa, nem o nome deste ou daquele. Encontrei-a sempre resignada e com expressões de desculpa!”

As três inimigas da aldeia têm nome, bem o sabemos: Felismina Martins, Mariazinha Machado e Teresa Matias. O sacerdote da cúria de Braga era o Pe. Molho de Faria.

O que se passou foi muito grave e é como tal que deve ser visto.

sábado, 18 de abril de 2015

Peregrinação Jovem a Balasar

Só recebemos ontem o cartaz da Peregrinação Jovem a Balasar e por isso só o colocamos agora em linha, quando a peregrinação deve estar a decorrer.
O Pe. Sandro que nele se menciona é de São Paulo, Brasil (supomos que é). Veja aqui

sábado, 4 de abril de 2015

O Céu reconciliado com a Terra

Sem a manhã do Domingo da Páscoa, a Sexta-feira de Trevas não faz sentido. É a Ressurreição que ilumina o sofrimento.

211. Senti, primeiro no coração e depois pas­sou-se ao corpo, um frio gelador: foi a morte a avizinhar-se. Jesus expirou.
212. No mesmo momento o segredo da morte reinou no Calvário e na minha alma.
213. O Céu abriu-se quando Jesus expirou. Já todos, do Calvário, podíamos passar ao Céu.
214. Reconciliou-se a Terra com o Céu: já todos podíamos viver a mesma Vida[i]:
215. Uniu-se de tal forma o Céu com a Terra que me fez sentir e lembrar o que em pequenina tinha visto: a massa do padeiro no cilindro[ii]; aquela roda que misturava tudo. Que movimento! A mesma massa, o Céu e a Terra!
216. Ficou o Céu reconciliado com a Terra.
217. Um som harmonioso encheu o Céu e a Terra.

Liberta as almas em ânsias

218. O Calvário estava em trevas. E eu fui descer a um lugar de trevas[iii] e eu mesma fui a luz que tudo iluminei. Digo “eu”, mas não fui eu, porque eu mesma sou trevas e morte. Mas foi aquela vida que viveu em mim, que triunfou no Calvário e na cruz.
219. Desci como que a um inferno, mas não a um inferno de fogo, de maldição e tormentos, mas a um inferno só de tremenda escuridão, onde não entrava luz nem alegria: era um inferno de cegueira e ansiedade. Senti como que Nosso Senhor estivesse em mim, contente, de braços abertos, como quem se sustenta no ar entre aquela multidão, como uma pomba batendo asas, transmitindo a mesma alegria e fazendo com que voasse essa multidão toda. Mas como, meu Deus! Vivo e não vivo, sou eu e não sou; estou no mundo e parti. Senti que desci a esse inferno, mas, de novo, saí, e que, atrás de mim, levava um bando sem número de pombas brancas que voavam atrás de mim; não digo bem, voavam esses seres que não eram corpos atrás desse corpo glorioso.
220. Eu senti a alegria do Céu e muitas almas.
221. Eu senti e vi tudo e fiquei sempre mer­gulhada na dor, na cegueira, e na morte.

A Sua vida divina separara-se de mim

222. Voara a Sua alma santíssima e eu fiquei na mesma dor, a sentir a mesma perda da Mãe­zinha.
223. A Sua vida divina separara-se de mim.
224. Fiquei como se a alma me tivesse dei­xado e eu não tivesse vida.
225. A mesma vida divina tinha sido sempre a força de tanta dor.
226. Jesus tinha expirado; e eu fiquei neste arrebatamento, sem pertencer a Deus sem perten­cer à Terra.
227. A morte de Jesus escureceu o Calvário da minha alma.
228. O silêncio da morte reinou no Calvário da minha alma.
229. Pouco depois vi dar a lançada em Seu divino lado.
230. Foi dentro em mim que Ele foi alanceado.
231. O Coração foi aberto: deu as últimas go­tas de sangue,
232. o resto do Seu preciosíssimo sangue e, por fim, gotas de água.
233. Ficaram raios do Coração a iluminar a Terra; enquanto o sol, como que envergonhado, se escondia entre as nuvens que estremeciam, jun­tamente com o solo do Calvário.
234. De todas as Suas chagas saíam raios de luz, como sol por frestas.

“Cristo morreu e ressuscitou para ser Senhor dos mortos e dos vivos” (Rom. 14, 9)

242. Por entre aquelas nuvens negras da morte, rompeu Jesus; sobressaiu, foi brilhar mais além. Venceu tudo e de tudo triunfou. Mas eu não O acom­panhei naquele vencimento, naquele triunfo, naquela luz: fiquei sempre na minha dor, amargura e agonia. Ele foi, mas ficou sempre comigo, no meio do gozo, da luz triunfal; unido a mim transformado em mim sofria[iv]. Queria saber falar desta separação de Jesus, para o gozo, e ao mesmo tempo, da união dolorosa dentro em meu corpo. Mas não sei. O que sei, é que a agonia continuou.
243. Jesus morreu e viveu sempre. Senti que Ele morreu e sentia que Ele vivia. Ó vida, ó vida celeste!

“Chamo-vos com amor de Pai”

244. De repente iluminou-se toda a minha alma, com uma luz que iluminava o mundo.
245. Senti como se de cima a baixo, se ras­gasse um véu: Jesus apareceu-me com a Sua luz e deu-me a Sua vida.
246. Ressuscitou e fez ressuscitar a minha alma. Com mais luz e dor mais suavizada, no meu coração ouvi que Ele me dizia:
- Ouvi, filhos meus, a voz de Jesus que vos chama! Chama-vos porque vos quer, Ouvi e estai atentos: é a hora da graça que passa! Recebei-a, reparai-a, aceitai-a! Bato com insistência e peço com todo o ardor do meu divino Coração: Vinde a Mim, chamo-vos com amor de Pai.


[i] A vida divina pode ser vivida “em parte” também pelos homens, tornados “filhos de Deus”.

[ii] Esta comparação escolhida pela Alexandrina faz lem­brar uma das parábolas do reino dos céus: a da mulher que mistura a farinha com o fermento (Mt. 13, 33).
[iii] Aqui refere-se ao Limbo, lugar onde os justos, mortos antes do Sacrifício redentor de Jesus, aguardavam o momento de poder ter acesso à visão beatífica de Deus. “Ele morreu, mas o Espírito de Deus fê-lo ressuscitar E com a força desse Espí­rito Ele foi anunciar a salvação também aos espíritos que esta­vam no cárcere” (1 Pedro, 3, 18). A fé cristã confessa que “Jesus Cristo é o Senhor no Céu depois de ter ressuscitado dentre os mortos” (Rom. 10, 6-10).
[iv] Em todos os tempos, em toda a alma justa, Jesus está presente e continua a Sua Paixão.

sexta-feira, 3 de abril de 2015

No cimo do Calvário

Colocamos mais uma parte da Paixão de Jesus segundo a Beata Alexandrina. Ela é uma intérprete particularmente habilitada para nos esclarecer sobre o sentido redentor do sofrimento de Cristo.

Entrega-se à morte

1. Cheguei ao Calvário, e desfalecida, sem vida. Levava no coração um peso imenso.
2. Caí desfalecida, com o rosto em terra, junto à cova, que já estava aberta para ser levantada a cruz.
3. Senti como se viesse sobre mim um mundo de feras. Que raiva e que peso imenso elas des­carregaram sobre mim! O coração ficou sempre esmagado e a bater em grande aflição: parecia expirar a cada momento, e expirar em trevas e medonha cegueira!
4. Que desespero sinto em mim! E desespero de amor. Tudo me causa horror: a morte, o abandono, ó meu Deus! De joelhos, levanto os olhos para o Eterno Pai: dou-Lhe o meu sinal de aceitação a tudo. Entrego-me à morte. Baixo os olhos, entro em mim e num abraço mais íntimo estreito tudo ao meu coração.
5. Abraçar aquilo que me causa tédio e nojo!

É despido

6.   Tiraram-me as cordas que me cercavam o pescoço e a cinta: que enormes dores! Elas estavam enterradas na carne, ensopadas em sangue. Ao serem arrancadas, deixavam-me no corpo marcas com grandes feridas.
7.   Ao serem-me tirados os vestidos, foram tira­dos com tanta pressa que chegaram a rasgar-se. Que dores violentas ao irem com eles pedaços de carne!
8.   Os olhos, com o sangue, não podiam abrir-se, mas a vergonha obrigava-me a conservá-los mais pro­fundamente fechados: ser despida em público!
9.   Só a mesma graça divina me podia segurar de pé. Quero exprimir-me melhor: não a mim, mas a Jesus[i].
10. Senti logo que a Mãezinha queria com o Seu manto cobrir Jesus, revestido em mim.
11. Senti a vergonha de Jesus: que coisa tão profunda! Não sei o nome que hei-de dar àquela vergonha.
12. Meu Deus, que nudez a de Jesus, que pudor sem igual![ii] Com a vergonha todo o Seu san­tíssimo corpo estremeceu.
13. O Seu rosto divino ficou como que incen­diado.
14. Foram tantas as risadas de escárnio, que ecoavam em todo o Calvário!
15. De longe Jesus levantava para o Céu os Seus olhares; baixava-os de novo, para mais intimamente sofrer no Seu Coração.

“Trespassaram as minhas mãos e os meus pés. Cerca-me um bando de malfeitores” (Salmo 21, 17)

16. Estenderam-me na cruz.
17. Senti como se fosse eu mesma a deitar-me sobre o madeiro e a estender as mãos e os pés para ser crucificada. Era um abraço eterno à cruz, a obra da redenção.
18. Os membros de Jesus estavam nos meus, o     Seu divino Coração no meu estava. Éramos os dois num só corpo a sofrer. Foi violentíssima a cru­cifixão. Sentia quase como que se me arrancassem os braços e pernas fora, tal era a força com que eram puxados para chegarem ao ponto marcado da cruz.
19. Que brado tão doloroso de socorro saiu de dentro de mim para o Eterno Pai! Que olhares tão enternecidos saíam dos meus olhos a fitarem o firmamento, a movê-lo à compaixão!
20. Vi o soldado que com grande crueldade dava as marteladas: era destemido, de olhar cruel e aterrador.
21. Via-o levantar o martelo ao alto e com toda a força o deixava cair no cravo.
22.  Ecoava dentro em meu peito o som estron­doso do bater dos cravos. Fiquei com os meus pul­sos e pés abertos como se fossem por eles tres­passados[iii]:
23.  Sentia que das feridas dos cravos corriam fontes de sangue.
24. Sentia como se outro cravo, mais duro e doloroso, me cravassem no coração.

As marteladas ecoam ao longe mas não movem os corações

25.  Foi dolorosíssima a abertura das chagas.
26.  Senti como se os cravos me trespassas­sem todos os nervos.
27.  Não senti só os pés e as mãos rasgadas: todo o peito o foi também. Parecia nada ter dentro: tudo tinha sido esgotado.
28.  A dor aumentou, e o último momento da vida, se não fosse um milagre, era no mesmo instante.
29.  Ao ser a cruz voltada para revirar os cra­vos, foi meu rosto no solo muito ferido e uma gol­fada de sangue me veio aos lábios.
30. Que doloroso foi o retirar dos cravos!
31. Todas as dores das feridas e fúria dos sol­dados vinham bater no meu coração; e sentia como se os soldados mo despedaçassem e esmigalhas­sem a dentada, tal era a sua raiva.
32.  Via as línguas blasfemadoras que blas­femavam contra mim.
33.  O meu Calvário, o meu Calvário!
34.  Foi Jesus, não fui eu, que assim foi ferido. Mas não sei exprimir-me doutra forma.
35.  As pancadas que apertavam os cravos não eram só para o Calvário: pareciam ecoar no mundo inteiro.
36.  Nem o som das fortes marteladas sobre os cravos que entoavam ao longe, nem a vista de tanto padecer, moviam os corações!

“Com Ele crucificaram mais dois, um de cada lado” (Jo. 19, 18)

37.  Crucificada, fui levantada ao alto.
38.  Que grandes dores eu senti em todas as chagas ao deixar a cruz cair na cova com tanta força! Pareceu cair num poço.
39. Com o estremecer da cruz, avivaram-se mais as feridas dos espinhos. E uma chuva de san­gue caía deles, banhava-me o rosto.
40.  Todo o meu corpo restava coberto de espi­nhos como um ouriço: tudo era dor, tudo era sangue.
41.  Não cessei mais o meu brado ao Céu: “Socorro, socorro!”.
42.  Fiquei com Jesus tão presa à Sua dor e agonia, que nada havia que nos separasse.
43.  Ao lado de Jesus foram crucificados os dois ladrões. Eu sentia que os sofrimentos, as cru­zes deles sobrecarregavam sobre mim, sobre a cruz de Jesus que em mim estava. Sentia sair do Cora­ção divino de Jesus o mesmo amor, as mesmas graças: um aceitava-as, o outro repelia-as.

“Junto da cruz estavam algumas mulheres: a Mãe de Jesus... e o discípulo que Ele amava” (Jo. 19, 25-26)

44. Que corações aflitíssimos rodeavam a cruz!
45. S. João, as três Marias[iv].
46. Mas o coração da Mãezinha em nada se parecia com os outros.
47. A Mãezinha com os olhos fitos em Jesus, com duas fontes de lágrimas a correrem-lhe pelo seu santíssimo rosto, agonizava com Ele.
48. Jesus não via com os Seus santíssimos olhos o pranto da querida Mãezinha, porque os tinha ora fechados, ora levantados ao Céu; mas tudo via e ouvia com os seus ouvidos e olhares divinos.
49. Estes iam penetrar toda a dor que no mais íntimo do coração A faziam agonizar.
50. Do alto da cruz murmurava: “Mãe, minha Mãe, até Tu serves para meu martírio! A tua dor aumenta-mo: nem ao menos Tu podes aliviar-me!”
51.  Ela murmurava: “Tu és meu Filho, eu sou Tua agonia”.
52. A Mãezinha, quanto sofreu com Jesus! Na cruz, no Calvário, era Ele com Ela um só coração, uma só alma, uma só dor, um só amor[v].
53. Como Ele, eu queria enxugar as lágrimas da Mãezinha, consolá-La na sua dor, fazer-Lhe o que Ela bem depressa ia fazer a Jesus, mas com Ele já morto.
54. A todos os momentos eu tinha que abra­çar-me a mim mesma, para mais em mim estreitar o Coração da Mãezinha. Quanto mais Ela sofria, mais eu A amava, mais Ela era mais a minha Mãe.
55. No cimo da cruz, continuámos os três na mesma dor.

“Repartem entre si as minhas vestes, e lançam sortes sobre a minha túnica” (Salmo 21, 19)

56. Vi amontoados os vestidos de Jesus, de­pois retalhados e leiloados[vi].
57. Senti como se fosse dado no coração um grande corte com a espada numa capa roxa: não feriu o pano, mas feriu-me a mim.
58. Feriu-me a maldade e crueldade com que o fizeram.
59. Que doloroso foi: os Seus vestidos retalhados e alguns pedaços tão ensopados em sangue que se colavam à minha alma como se fossem sina­pismos! Que dor, como os senti tão ao vivo! O san­gue, as carnes do inocente Jesus nos pedaços do Seus vestidos!
60. Com o peso do corpo, as chagas abriam-se cada vez mais;
61. O sangue caía das mãos e pés com abun­dância.
62. Oprimida pela violência da dor produzida pelo rasgar das chagas, senti como se uma veia junto do coração se rasgasse também: e dele saiu muito sangue que se espalhou pelo corpo, para romper por todas as feridas.
63. Sentia todas as chagas, mas mais vivamente a do ombro; e a cinta ainda parecia ser cor­tada pelas cordas.
64. Os nervos estremeciam: pareciam enco­lher-se.
65. A dor atingia o seu auge.

Que ânsias de O ver desaparecer custasse o que custasse!

66.  Cingiram à minha cabeça o capacete dos espinhos que me causaram tanta dor e quase me faziam desnortear. E o coração quase deixava de palpitar. Não eram mãos que no alto da cruz aper­tavam esse capacete, mas era o rancor mais que infernal de tantos corações.
67. Sentia como se me escarrassem e açoi­tassem mesmo no alto da cruz! Sentia os açoites na alma, como se me fossem dados no corpo.
68. Ao ouvir as maiores injúrias, sentia correr no meu corpo bagadas do suor da morte.
69. Parecia-me que todo o corpo e alma se rasgavam de dor, à semelhança de pano, fio a fio.
70. Custou-me tanto a crueldade e ingratidão daqueles que desdenhosos ocupavam o Calvário!
71. Senti que em muitos corações aumentava o ódio, o aborrecimento contra Jesus — um desejo de O ver desaparecer dos seus olhares venenosos, fosse como fosse, custasse o que custasse.
72. O inocentíssimo Jesus estava num gemido contínuo.

A Paixão de Cristo renova-se continuamente através dos tempos

73. Ondas de insultos, tormentos e maldades caíam sobre mim.
74. Não sentia ali só os maus-tratos do Cal­vário, mas sim os de todo o mundo.
75. Os meus olhos mergulhados nas trevas nada podiam ver; neles tinham outros olhos que viam tudo, tudo através dos tempos, todo o sofrimento que até ao fim do mundo havia de ferir um Coração que junto ao meu estava.
76. Da cruz fiquei a ver em todo o mundo todos os sofrimentos que, no decorrer dos tempos, a cada momento, iam renovar a Paixão de Cristo, que de mim se tinha revestido.
77. Sentia os golpes de toda a humanidade, pessoa por pessoa: uns com toda a crueldade e maldade, outros forçados e até inconscientes do mal que faziam.
78. Tudo sentia, tudo me estava presente: o passado, o presente, a ingratidão e maldade do futuro.
79.  Eu queria[vii] poder chorar as minhas cul­pas e as de todo o mundo. Se eu tivesse a dor e o arrependimento da Madalena! Mas não, não tinha! Só tinha as ânsias de me abraçar à cruz por amor de Jesus.
80. Sentia-me abraçada à cruz: queria sofrer, queria morrer.
81. O meu calvário morto[viii] tinha lágrimas; estas mergulhavam nelas a humanidade inteira. Esta morte bradava, e junto a ela havia a dor infinita e as ânsias infinitas de ao mundo dar a vida.



[i] Sim, Jesus resistiu a tão atrozes tormentos porque amparado pela Sua Divindade.
[ii] O despimento das vestes completa o desapego total de Jesus e torna-O completamente disponível para o sacrifício pedido pelo Pai. A Alexandrina insiste neste pormenor, porque vive, no seu recato de mulher, o que sente acontecer com Jesus.
[iii] A Alexandrina sofreu os estigmas místicos (Cfr. Cronologia da vida, pág. 69…)
[iv] “A Mãe, Maria mulher de Cléofas e Maria de Magdala. (Jo. 19, 25).
[v] A Senhora das Dores encontra-se lá, com o coração trespassado pela dor (Lc. 2, 35), qual nova Eva junto do novo Adão que realiza na árvore da cruz o Seu sacrifício redentor. Tal como a primeira Eva, junto da árvore do paraíso terreal, coo­perou com o primeiro Adão para a ruma da humanidade, assim Maria, Rainha dos Mártires, repara a desobediência da primeira Eva e torna-se “causa de salvação para si e para todo o género humano” (S. Ireneu. III, 22, 4; L. G. 58).
Ela lembra, outrossim, o dever da nossa participação na Cruz de Cristo para completar o que em nós falta à sua Paixão (Col. 1, 24). Esta Doutrina foi acentuada pelo Concilio Vaticano II (L. G., 61).
[vi] A túnica não foi rasgada porque era de uma só peça, sem costuras, e por isso foi tirada à sorte (Jo. 19, 23-24).
[vii] Aqui a Alexandrina não se sente identificada com Jesus.
[viii] Na medida em que a agonia de Jesus está ligada ao pensamento da morte, o que causa horror a Jesus não é a morte entendida como simples acidente biológico mas sim como sinal do pecado e, portanto da revolta do homem contra Deus e da separação d’Ele. Durante a Sua Paixão, primeiro no Getsémani, e talvez mais ainda no Calvário, para expiar as culpas da huma­nidade, parece que Jesus tenha voluntariamente experimentado a miséria e a solidão (a morte verdadeira) dos homens separa­dos de Deus pelos seus pecados. Compreende-se pois, como, por instantes, se tenha eclipsado em Jesus a consciência da Sua comunhão com o Pai; desta forma ela não proporcionava mais nenhuma consolação à Sua alma humana (cf. La sapienza della Croce oggi, o. o., vol. 1, pág. 77-78). A Alexandrina exprime de maneira lapidar este sentimento de Cristo e por ela experimen­tado, dizendo: “O meu calvário morto”.

quinta-feira, 2 de abril de 2015

A Ceia Pascal segundo a Beata Alexandrina

A longa narração Ceia Pascal que se segue é transcrita do livro organizado pelo Pe. Humberto A Paixão de Jesus em Alexandrina Maria da Costa. Paga a pena ler ou reler.

   "Ide preparar-nos o necessário para comermos o cordeiro pascal". (Lc. 22, 8)

1. Ao cair da tarde, a grande Ceia do amor. Amor que grande ingratidão recebeu.
2. Veio os ânimos e cuidados com que se prepara a Ceia: vejo que vai ser a Ceia do amor, das maravilhas, como outra jamais seria.
3. Sinto que Jesus vai dando aos seus as suas ordens e, parando de passos a passos, olha com os seus olhares divinos a Cidade ingrata, o Horto de tanta amargura, o Calvário que O espera.

   “Pôs-se à mesa e os apóstolos com Ele”
   (Lc. 22, 14)

4. Subi com Jesus e com os apóstolos para a grande sala onde foi realizada a Ceia. Quando subia a escadaria, sentia que Jesus ia faminto por ir comer com os Seus discípulos aquela Ceia.
5. Mas antes de principiar a cerimónia via a Mãezinha louca de dor, lacrimosa, cabelos desgrenhados. Jesus fez-se compreender que poucas horas depois Ela iria, assim neste estado, ao Seu encontro nas ruas da amargura.
6. Foi grande a dor do Seu divino Coração com a visão das lágrimas da Mãezinha!
7. Vi Jesus sentar-se à mesa com os Seus apóstolos. E ao sentar-se, falou para si o Seu divino Coração: “Manjar divino: a Ceia do meu amor!” Todo o aposento se iluminou e todos os apóstolos ficaram embebidos naquele amor que Jesus irradiava pelos Seus divinos olhos, lábios e todo o Seu ser, porque todo Ele era amor.
8.   Jesus era amor, amor, só amor; amor a enfrentar maldade e ingratidão. Judas, já não era Judas: já se via nele um verdadeiro demónio. [i]
9. O olhar esgazeado do mau discípulo ficou gravado em meu coração.
10. Desesperado, com o demónio nele e o fogo infernal, já não recebeu o amor de Jesus.

   “Vede, a mão daquele que Me vai entregar está comigo à mesa!”
   (Lc. 22, 21)

11. Vi Judas à mesa, mas mais retirado um pouco. Queixo comprido, olhos esgazeados, cabelos esticados: todo ele já não parecia um homem: só se via nele um desespero infernal.
12. Foi doloroso e arrepiante o ler no coração de Judas os maus instintos, a falsidade que tinha para com Jesus e ser por seus olhares venenosos contemplado! Judas fitava Jesus com maldade e, sem querer fazê-lo, fazia-o para disfarçar. Jesus fazia-o com doçura e bondade para o convidar a Si.
13. Ele oferecia-lhe o Coração e queria abraçá-lo.
14. Que doces convites a um coração de pedra, a um rochedo que não se move!
15. Dois quadros tão diferentes: uma traição sem igual e um amor sem igual. Quantos convites cheios de doçura a essa traição! O traidor resiste, a nada se rende; não se sente bem ao pé do Cordeirinho vítima inocente.
16. Tinha dentro em mim, bem gravados na alma, dois olhares: o de Jesus e o de Judas. Que diferença! O de Jesus, terno e a espalhar amor. O de Judas, esgazeado, desesperador. Possuía também dois corações, os dos mesmos: o de Jesus, cheio de bondade e de santos convites; o de Judas, cheio de rancor e ódio.
17. Vem a traição, a venda do que há de mais belo e inocente, a entrega, a falsa entrega.
18. A amargura da minha alma não pode subir mais alto.

       “Depois deitou água numa bacia e começou a lavar os pés aos discípulos” (Jo. 13, 5)

19.  Vi-O depois tomar em suas divinas mãos uma bacia grande, redonda; cingir o seu pescoço com uma toalha e seguir o lava-pés.
20.  Senti que um[ii] a quem causava muita impressão lavar-lhe os pés, a um olhar e poucas pala­vras, até já se despia para, se preciso fosse, lavar-lhe todo o corpo.
21.  No lava-pés, Jesus não só lhos lavava, mas o seu divino Coração baixava tanto que até lhos queria beijar. Eu sentia que Jesus com o seu espírito lhos beijava. Que lição para mim! Que humildade a de Jesus!
22.  Fui aprender a ser pequenina. Jesus, o Senhor de tudo, fez-se o mais pequenino no meio dos apóstolos Ele amava tanto, tanto!
23.  Ah, se eu pudesse exprimir aqui todo o amor, toda a bondade e ternura de Jesus, que bem podia fazer às almas! Mas não sei melhor.
24. Jesus dava do seu divino Coração para cada um dos seus discípulos o seu divino amor, em raios luminosos como sol a aparecer no horizonte. Todos os discípulos o receberam e deixaram-se por ele iluminar. Apenas Judas se fechou e recusou o Seu brilho e luz.

“Tomai e comei: isto é o meu corpo… Bebei dele todo. Porque este é o meu sangue...” (Mt. 26, 26-72)

25. Que noite, que santa noite! A maior de todas as noites. A noite do maior milagre, do maior amor de Jesus! O seu divino Coração estava preso àqueles que lhe eram tão queridos. Para poder partir, tinha que ficar entre eles; para subir ao Céu, tinha que ficar na Terra. [iii] Assim O obrigava o seu amor divino.
26. O sofrimento amado, quem te compreenderá?
27.  Queria que todos conhecessem aquele mistério de pão e vinho transformados no Corpo e Sangue do Senhor! Que milagre prodigioso! Que abismo insondável de amor! Apesar de se sentir mergulhada nele, não o compreendia para o saber explicar; só o soube sentir, e só no Céu o compreenderei.
28. Vi o doce Jesus a abençoar o pão.
29. Queria saber dizer, poder mostrar, no memento da bênção, os olhares que Jesus levantou ao Céu.
30. De olhos fitos no Céu, em chamas de fogo, orou por tanto tempo a seu Eterno Pai.
31. Vi o seu rosto de tal forma inflamado, que mais parecia ter em Si só a vida do Céu, do que ser uma semelhança nossa: não perecia homem, mas sim só Deus: amor, só amor.
32.  Que encanto! O seu santíssimo rosto era se luz, parecia que só fogo o rodeava; com os olhos encantadores fitos no Céu e um Sorriso doce abençoava o pão, que pouco depois por todos distribuía.
33.  Foi tal a luz, foi tal o amor que a todos embebeu: Jesus, os apóstolos e eu!
34.  E naquele momento de amor e maravilha sem igual, senti que o mundo era outro. Jesus dava-se a ele em alimento e partia para o Céu, e com ele ficava; aquele amor estendeu-se por toda a humanidade.

   “Quem come a minha carne e bebe o meu sangue fica em Mim e Eu nele”
   (Jo. 6, 56)

35.  Que cena tão tocante, que cena só de amor, só de um Deus! E a Eucaristia, meu Deus, que maravilha, quando Jesus a instituiu!
36. Nunca senti tanto ao vivo as ternuras e o amor de Jesus com os seus discípulos. Todos os discípulos comungaram das mãos de Jesus, abrasados em amor. Hei-de dizer que Judas comungou também. Ele estava mais afastado: Jesus estendeu a Sua divina mão para o lado dele com o Manjar celeste.
37.  Judas ficou logo como um condenado do inferno, tal era o seu desespero.
33.  Jesus falava sempre com a mesma doçura e meigos sorrisos.
39.  E os apóstolos, naquela hora mais que nunca, se encheram de Jesus [iv], se inflamaram de amor e chegaram a compreender tudo quanto Ele lhes dizia.
40.  Só na sala da Ceia experimentei, por alguns momentos, a grandeza do Seu amor, grande como o Céu e a Terra, grande como a mesma grandeza de Deus.
41. Como Ele amou; como Ele ama! Os Seus desejos, que vivêssemos d’Ele e para Ele.
42. A Mãezinha, retirada um pouco, mas pre­sente, compartilhava de tudo isto.

Depois de Judas engolir o bocado… saiu imediatamente. (Jo. 13, 27-30)

43. Não sei como eu era o alimento, eu era a Hóstia.
44. O meu coração era o cálice, era o vinho, era o pão. Todos vinham comer e beber a este cálice. Dali em diante toda aquela cena seria renovada. Mas, oh! Que horror, o que eu vi: tantos Judas a comerem e a beberem indignamente! Que línguas tão sujas! Mas mais horror ainda: mãos tão indignas a distribuírem este Pão e este Vinho! mãos indignas, corações cheios de demónios! Que horror, que horror de morte! Senti tanta dor, que de dor e horror parecia-me rasgar a alma e despedaçar o coração
45. Senti também em mim a língua de Judas, língua que ardia de fogo infernal, depois que comeu o Pão e bebeu o Vinho abençoado por Jesus.
46. Judas, quase logo, saiu com a saca do dinheiro[v], para O ir vender.
47. Fugiu desesperado a vomitar fora aquela Ceia celeste que por Jesus lhe tinha sido dada. E continuou a sua traição.

“Vós sereis meus amigos... tudo quanto ouvi de meu Pai vo-lo dei a conhecer” (Jo. 15, 14-15)

48. Toda a assistência ficou em paz e amor.
49. Convívio de grande intimidade! As conversas são animadoras.
50. Que conversação de tanta sabedoria e paz!
51. Queria poder fazer sentir a todos os corações o que é o amor de Jesus para com a alma que verdadeiramente O ama.
52. Senti o amor com que João se inclinou ao Seu santíssimo peito e o amor que, naquele momento, Jesus lhe fez sentir. [vi]
53. Como se uniram tão docemente o Coração divino de Jesus ao coração do discípulo amado! Jesus consolava-Se no Seu discípulo e este no seu Mestre. Esta união suavizou a dor angustiosa de Jesus.
54. Senti que o doce Amor dava a gozar e sofria Ele amargamente. Naqueles momentos, muito concentrado, em profundo silêncio, viu todo o Horto e Calvário. E sobre Ele caiu como fera furiosa toda a humanidade.



[i]  “No decorrer da ceia, o diabo meteu na cabeça de Judas que O entregasse” (Jo. 13, 2).
[ii]  O apóstolo Pedro (Jo. 13, 6)
[iii]  “Sempre que no altar se celebra o sacrifício da cruz, no qual ‘Cristo, nossa Páscoa foi imolado’ (I Cor. 5, 7), realiza-se também a obra da nossa redenção” (LG,3).
[iv]  “Deu-lhes um alimento do Céu… Comeram até se saciarem…” (Salmo 77, 24-29).
[v]  Judas tinha sido encarregado por Jesus de ter a bolsa do grupo apostólico (Jo. 13, 29).
[vi]  Paulo VI afirmou que o mistério do Coração de Jesus é “celebração do Amor de Deus, que reverbera sobre o Coração humano do Verbo encarando” (AAS, 67). Nas origens deste culto aparecem duas cenas evangélicas: a de João que reclina a cabeça sobre o peito do Mestre e, principalmente, a do peito de Jesus rasgado pela lança de um dos soldados. Elas levaram gradualmente a piedade cristã a considerar a obra redentora como um mistério de amor. Isto aparece de forma muito eloquente através destas páginas da Alexandrina.